Porto gaúcho tem maior movimentação financeira, de US$ 27,5 bilhões
Ainda em estudo, um plano de reestruturação da Receita Federal do Brasil (RFB) já dá o que falar no Rio Grande do Sul. Parte de uma nova região fiscal, que englobaria ainda Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, o Estado perderia a alfândega portuária em Rio Grande, que seria transformada em inspetoria subordinada a uma estrutura central em Itajaí (SC). Entidades ligadas ao porto tentam reverter a implantação da medida, que entendem prejudicar a operação gaúcha, distante 845 km da cidade catarinense.
A reestruturação da Receita, proposta pelo Comitê de Governança Institucional da entidade, tem por objetivo otimizar os recursos disponíveis, atendendo ao corte de funções gratificadas decretada pelo Ministério da Economia. Uma das diretrizes principais é a redução de 10 para cinco regiões fiscais no País. Delegacias com menos de 100 servidores seriam transformadas em agências, e agências com até cinco servidores seriam extintas ou transformadas em postos de atendimento. Além disso, as unidades passariam a ser divididas por temas, e não necessariamente por território.
Pouco disso é sabido oficialmente, pois os planos não foram tornados públicos pela Receita. O tema, no Rio Grande do Sul, veio à tona por meio de uma nota técnica emitida pela própria alfândega de Rio Grande, questionando o plano e defendendo a manutenção da estrutura.
Entre os motivos apontados estão a distância entre Itajaí e Rio Grande, muito acima da média – o segundo porto mais distante de Itajaí seria o de Paranaguá (PR), a 211 km -, o maior volume financeiro de movimentação (em 2018, os despachos em Rio Grande chegaram a US$ 27,5 bilhões, enquanto Itajaí alcançou US$ 16,2 bilhões), e a concorrência comercial existente entre os portos catarinenses e o gaúcho.
A proposta da nota, assinada pelo então delegado da alfândega, Carlos Frederico Schwochow de Miranda, e encaminhada aos órgãos competentes, é de criação de duas alfândegas portuárias na nova região fiscal: a de Itajaí, com mandato sobre os portos catarinenses e paranaenses, e uma segunda, em Rio Grande, com mandato sobre os portos gaúchos.
O pedido encontra respaldo na situação estudada para as alfândegas rodoviárias na região. Para as estradas, o projeto é de criação de duas alfândegas, uma em Uruguaiana (RS) e outra em Foz do Iguaçu (PR). “Com base nessa solução, pensamos em uma semelhante para o setor marítimo”, afirma Miranda. No setor aeroportuário, a ideia é semelhante à dos portos, com apenas uma alfândega em Curitiba (PR) – a de Porto Alegre também seria extinta.
“Cada porto tem a sua realidade, e a nossa envolve problemas logísticos, a questão do calado, situações em que a decisão local é importante”, justifica Miranda. O receio é de que uma instância decisória apartada do dia a dia dificilmente conheceria a realidade da região. Transformada em inspetoria, a seção rio-grandina faria apenas serviços pontuais, como a conferência física de cargas, mas decisões cotidianas quando há algum tipo de problema deverão passar pela cidade catarinense caso o modelo seja instituído. “Praticamente toda semana recebemos uma empresa querendo operar em Rio Grande, precisando desenhar o seu fluxo logístico. São decisões locais”, sustenta Miranda, que defende ser favorável a reestruturação da Receita como um todo por, na sua visão, racionalizar o trabalho. “Para fiscalização e arrecadação parece muito bom, mas para aduana, que exige uma presença no local, podemos ter ajustes”, defende.
A nova estrutura, que inicialmente estava prevista para ser decidida até o fim de abril, ainda não foi comunicada por Brasília. O atraso é visto como bom sinal pelos atores ligados ao porto, pois poderia indicar algum tipo de recuo na decisão.
Na terça-feira (7) (após falar ao Jornal do Comércio) Miranda foi exonerado de sua função, medida recebida em Rio Grande como retaliação por ter tornado públicos, por meio da nota técnica, os planos da Receita. Procurada, a Receita Federal não quis se pronunciar, alegando agenda cheia.
Disputa comercial entre portos é motivo de preocupação.
Entre os agentes ligados ao porto do Rio Grande, uma das preocupações é o ganho de capital político para Itajaí, cidade que abriga um dos cinco portos catarinenses, grupo que compete diretamente com o porto gaúcho pelo escoamento marítimo de cargas. A presença da instância decisória da Receita Federal no estado vizinho, alegam, poderia ser usado como mais um diferencial competitivo pelos catarinenses.
“O Rio Grande do Sul teria muitas dificuldades. Qualquer discussão seria em Itajaí. Por mais sérios que sejam os problemas, entraríamos no fim da fila”, argumenta o presidente do Sindicato dos Terminais Marítimos do Rio Grande (Sintermar) e diretor-presidente do Tecon Rio Grande, Paulo Bertinetti.
“Para nós, se confirmado esse cenário, é muito ruim”, acrescenta o diretor-presidente do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado (Sdaergs), José Luis Kralik. Embora haja legislação para todo tipo de processo, existe uma boa parte das operações cotidianas que é bastante interpretativa, segundo Kralik, o que exige discussão para esclarecimento sobre detalhes das importações e exportações. “Para tudo o que foge da formalidade, perderíamos essa autonomia não tendo a alfândega em Rio Grande”, continua o dirigente, lembrando que, enquanto não houver comunicação oficial das mudanças, tudo segue sendo encarado apenas como hipótese.
“Qualquer negociação que tenha entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, eles passam a ter vantagem porque as decisões estarão lá”, projeta Kralik, que vê situação semelhante com o possível fim da alfândega no aeroporto Salgado Filho.
Prefeito do município, Alexandre Lindenmeyer (PT) salienta que a decisão não é política, mas técnica, e, nesse sentido, “parece um grave erro”. “Nossa expectativa é de que com toda a mobilização já feita, com prefeitura, empresários e ação do governo do Estado, possamos sensibilizar a Receita no sentido de que a decisão não seja implementada”, projeta.
Superintendente dos portos no Rio Grande do Sul, Fernando Estima conta que já foram feitas reivindicações junto à Secretaria Nacional de Portos (SNP) para a revisão da medida, tanto pelo governo gaúcho quanto pelo porto de Paranaguá (PR), que também não concordaria com as mudanças.
Audiências em Brasília também já foram solicitados por meio de deputados gaúchos. “Não é possível que o Rio Grande do Sul não mereça a atenção”, reclama, salientando ver como “perda” para o Estado o fim da alfândega. Estima, entretanto, ressalta que mesmo se colocada em prática, a reestruturação nos moldes propostos não deve trazer perda de faturamento ao porto.
– Jornal do Comércio