Carnes, calçados, vinhos e arroz estão entre os setores beneficiados ou que podem sofrer com acordo.
Ainda que informações mais detalhadas sobre acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia só agora começarão a ser divulgadas, é fato que importantes setores da economia gaúcha serão impactados. Tanto positivamente, pela conquista de uma parcela maior de mercados externos, quanto negativamente, pelo aumento da concorrência no mercado interno com produtos importados com preços mais competitivos. Enquanto alguma setores já comemoram o acordo, como calçadistas e moveleiros, outros segmentos vivem um momento de preocupação, como vitivinícola e lácteo.
Segundo o coordenador do grupo temático de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Frederico Behrends, o governo brasileiro deverá divulgar mais dados sobre o acordo amanhã, em reunião da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Muitos dados foram mantidos em segredo para não atrapalhar as negociações, como prazos de redução de tarifas por setores, se imediatos ou graduais, em até 15 anos”, explica Behrends.
Até agora, diz o executivo, se sabe que calçados e móveis terão tarifas zeradas imediatamente após a aprovação do acordo por todos os país do Mercosul e da União Europeia. Para Behrends, setores afetados pelo livre comércio, como metal mecânico e mesmo de vinhos, a solução pode estar no fechamento de parcerias com empresas europeias.
Na Europa, diz o executivo, não há mais terra para ampliar a produção de vinho, o que pode ser uma possibilidade de parceria para produção aqui. No setor metalomecânico, como de produção de máquinas pesadas, se poderia fazer parceria na assistência técnica local, já que não se pode simplesmente vender a máquina sem prestar assistência.
“Em um país de dimensões continentais com o Brasil, fazer esse atendimento não é uma tarefa fácil para quem é de fora. Parceria nessa área pode ser um caminho”, analisa Behrends.
O impacto em diferentes setores
Móveis
Para o setor moveleiro o acordo é “extremamente positivo”, segundo o presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs), Rogério Francio, pois tarifas que hoje variam entre 20% e 30% serão reduzidas ou até zeradas. E União Europeia é um dos principais mercados de exportação das indústrias gaúchas do setor. No ano passado, dos US$ 200 milhões exportados US$ 32 milhões foram para a União Europeia, especialmente para o Reino Unido, França, Irlanda, Espanha, Portugal, Bélgica e Alemanha. O Estado exporta principalmente móveis prontos, em MDF e MDP, como roupeiros, cômodas, dormitórios e cristaleiras. “Além do tarifa reduzida, a simplificação dos processos portuário serão outro ganha que poderão gerar deflação nos preços, nos torando ainda mais competitivos”, explica Francio.
Calçados
De acordo com o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, as exportações de calçados brasileiros para a Europa deverão ser beneficiadas com redução da tarifa média de importação de 17% para zero. No ano passado, os calçadistas brasileiros exportaram 17,7 milhões de pares para países do Bloco, 14% menos do que em 2017. Já as importações de calçados europeus, no ano passado, somaram 332,8 mil pares, 3,6% menos do que em 2017. Por outro lado, a entidade ainda aguarda mais detalhes sobre os mecanismos de comprovação de origem do produto importado da União Europeia.
O setor defende junto ao governo que o calçado seja considerado efetivamente europeu, se tiver no mínimo 60% dos seus componentes produzidos localmente. O receio do setor é de que algum país europeu possa ser utilizado como plataforma de exportação por fabricantes de outros países, especialmente asiáticos, para embarcar seus produtos com benefício da alíquota reduzida ou mesmo zerada, comenta o executivo. Hoje, a alíquota de importação de calçados praticada é de 35%.
Arroz
Para a Associação Brasileira da Indústria do Arroz, apesar de ter frustrada a perspectiva de que o Mercosul tivesse uma cota de cerca de 400 mil toneladas/ano de arroz livre de tarifa para exportar à União Europeia, o acordo é positivo e pode, futuramente, trazer outros pactos em que a cadeia do arroz venha a ser beneficiada. O atual acordo, segundo a Confederação dos Moinhos Arrozeiros do Mercosul (Conmasur), tem uma cota isenta de tarifas de apenas 60 mil toneladas/ano. Diretor jurídico Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Anderson Belloli avalia que a abertura desse mercado é promissora para o Estado, ainda que a cota de isenção seja pequena.
“Qualquer abertura de mercado é muito bem vinda, ainda mais em um mercado importante como da União Europeia, que paga bem e tem demanda por arroz de alta qualidade”, avalia Belloli.
Leite
O setor lácteo é um dos que tem muitas dúvidas e preocupações sobre o impacto do acordo no futuro dos negócios. Com uma produção de 160 bilhões de litros por ano, ante 35 bilhões do Brasil, e com grandes subsídios, frente a nossa alta carga tributária, por exemplo, a União Europeia é uma ameaça concreta ao setor.
“Apesar de ainda ter poucas informações concretas sobre como foi feito o acordo para o setor, o que soubemos é que em setores sensíveis haveriam cotas para isenção, como de 30 mil toneladas para o queijo, 10 mil toneladas para o leite em pó e 5 mil para fórmulas infantis (alimentos processados para alimentação de bebês e recém nascidos)”, avalia o secretário-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios (Sindilat), Darlan Palharini.
Atualmente produtos lácteos importados da União Europeia entram no Brasil com uma tarifa de 28%. De acordo com Palharini, para evitar danos maiores ao setor o governo brasileiro terá que adotar medidas de apoio aos produtores e a indústria, como Prêmio de Escoamento de Produto (PEP) para diferentes produtos e compras governamentais, além de reforço no seguro rural, por exemplo. O lado positivo do acordo, analisa Palharini, pode vir com a redução nos preços de equipamentos importados para o setor, como ordenhadeiras robotizadas.
Vinhos
Presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Oscar Ló assegura que o setor está “bastante preocupado” com o futuro da atividade a partir do início do acordo. Hoje, segundo o executivo, 90% dos vinhos finos consumidos no Brasil já são importados. E os vinhos europeus se somarão aos chilenos, por exemplo, podendo abater fortemente a cadeia vitivinícola gaúcha.
“Ainda que no montante da economia brasileira a produção de vinho não tenha muito peso, ela é fundamental na economia de muitos municípios da Serra. Mas já tenho marcada uma conversa como o governo brasileiros para avaliar alguma medidas de compensação. O momento, porém, é de preocupação”, afirma Ló.
Entre as alternativas, diz o presidente do Ibravin, estão redução de impostos como IPI, linhas de financiamento ao setor e reforço no seguro agrícola.
Carnes
O setor de proteína animal comemora, desde agora, o fechamento do acordo. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) assegura que o acordo traz benefícios para exportadores de aves, suínos e ovos processados. A cota total de exportações de carne de frango será de 180 mil toneladas no ciclo de 12 meses. O volume é expressivo e suficiente, segundo Ricardo Santin, diretor-executivo da ABPA. O acordo também definiu a viabilização de embarques para carne suína e ovos processados brasileiros para o Bloco Europeu. Há pelo menos meia década o Brasil realizava investidas para embarcar estes produtos para a UE. “O acordo pontuará critérios mais justos e transparentes nos negócios entre os dois blocos”, ressaltou Francisco Turra, presidente da ABPA.
Fonte – Jornal do Comércio